segunda-feira, 29 de setembro de 2025

VIAGEM DA APL A PARNAÍBA

Comitiva dos acadêmicos e acompanhantes no prédio da Federação do Comércio do Piauí, no Porto das Barcas. 

Da esq./dir.: Elmar Carvalho, Fonseca Neto, Reginaldo Miranda, Plínio Macedo e Felipe Mendes. Autora da foto: Adriana Motta



VIAGEM DA APL A PARNAÍBA

 

Elmar Carvalho

 

Seguindo o roteiro e o programa que elaborei para o Projeto APL Itinerante, referente a Parnaíba, por solicitação da presidente Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati, devidamente aprovados pela Diretoria, chegamos a essa cidade por volta de uma hora da tarde do dia 19/09/2025.

Ficamos hospedados no hotel Delta, do SESC, no centro histórico de Parnaíba, uma vez que tivemos o integral apoio do Sistema Fecomércio, através do advogado Valdeci Cavalcante, membro de nossa Academia.

Nas visitas que fizemos, contamos com explanações do acadêmico Valdeci Cavalcante, profundo conhecedor da história e da arquitetura da cidade, e do historiador Jedson Martins, que recentemente publicou o belo livro Postais da Parnahyba, do qual adquiri um exemplar. Por haver morado muitos anos na velha urbe, também pude contribuir, vez ou outra, com algumas informações históricas ou arquitetônicas.

Às 15 horas, fomos visitar o prédio do antigo Colégio União Caixeiral, adquirido pelo SESC, que lhe fez uma excelente obra de restauração e o adaptou para ser o Centro Cultural João Paulo dos Reis Velloso, dotado de um grande acervo. O espaço presta relevantes serviços culturais em várias manifestações artísticas — sobretudo música, teatro e literatura — e dispõe de diversos ambientes.

Sobre essa escola e a educação parnaibana na primeira metade do século passado, escrevi em meu trabalho Faculdade de Administração – um dos cinco pilares da UFPI:

“Essa situação auspiciosa [o extrativismo econômico] possibilitou que, numa época elitista e excludente no setor da Educação, a cidade pudesse ter bons colégios, entre os quais cito o Ginásio Parnaibano, que, no governo Chagas Rodrigues, foi estadualizado; o Ginásio São Luiz Gonzaga, criado pela Diocese de Parnaíba; a Escola Técnica de Comércio União Caixeiral, fundada em 28/04/1918, cujo grande e imponente prédio foi concluído em junho de 1937 (esse edifício, após ser restaurado pela Fecomércio/SESC, sob a presidência de Valdeci Cavalcante, foi transformado no Centro Cultural João Paulo dos Reis Velloso – SESC Caixeiral); e o educandário confessional Colégio Nossa Senhora de Fátima, inicialmente destinado apenas ao sexo feminino. Todos tinham um corpo docente de alto nível e atraíam alunos de várias cidades do Piauí e até de outros estados.”

Em seguida, visitamos a Academia Parnaibana de Letras, à qual pertencem três membros da APL: este escriba da expedição, Alcenor Candeira Filho e Valdeci Cavalcante. Fomos recebidos pelo secretário-geral, o escritor e jornalista Antônio Gallas Pimentel, visto que o presidente José Luiz de Carvalho se encontrava adoentado.

Gallas nos mostrou as dependências e o auditório Testa Branca, além de nos fazer um breve relato de sua história e de suas atividades. Mostrou-nos o memorial do escritor Humberto de Campos. Aliás, esse memorial e o prédio foram adquiridos na presidência do acadêmico Antônio de Pádua Santos, graças ao apoio do prefeito José Hamilton Furtado Castelo Branco.

Fomos, então, conhecer o centro histórico e o Porto das Barcas. Na visita, conhecemos internamente o famoso prédio da Fecomércio, que já foi a alfândega de Parnaíba. Essa entidade restaurou o edifício, que hoje é um dos mais emblemáticos cartões-postais da cidade. No Museu do Mar vimos várias embarcações de pesca, simulacros de peixes, esqueletos e aquários.

Foi-nos mostrado um grande mapa do Delta do Parnaíba, com suas bocas, ilhas e cidades. Não resisti à tentação de perguntar se o mapa indicava o Canal São José, tendo a guia me respondido que não. Esclareci-lhe que esse canal encurtara a distância para Tutóia, onde existia o porto mais importante, e tornara mais caudalosa a água do Igaraçu, permitindo que barcos e navios de maior calado o navegassem. Acrescentei que, sem a construção desse canal, o Igaraçu, hoje, praticamente não existiria.

Às 20 horas realizou-se a sessão solene da APL Itinerante, com a participação da Fecomércio e da APAL. Compuseram a mesa de honra a presidente da APL, Fides Angélica; Valdeci Cavalcante, presidente da Fecomércio; Antônio Gallas Pimentel, representante da APAL; Maria Dilma Ponte de Brito (membro da APAL e professora da UFDPar); Susana Silva, presidente da Fundação Alberto Silva; e este cronista. O deputado Wilson Nunes Brandão fez a entrega de um broche de opala com o mapa do Piauí a Susana Silva e Valdeci Cavalcante, por relevantes serviços prestados ao Estado.

Susana Silva falou sobre os objetivos e atividades desenvolvidas pela fundação que leva o nome de seu pai, o governador e senador Alberto Silva, que também foi prefeito de Parnaíba. Disse desejar estabelecer parcerias com a nossa APL.

Minha palestra O Centenário Almanaque da Parnaíba já se encontra publicada na internet. Abordei sua história e seu fundador; seus editores; seus principais colaboradores, em diferentes épocas; e sua linha editorial. Discorri sobre seus financiadores e patrocinadores. Deixei claro que, após a Academia Parnaibana de Letras assumir a sua publicação, a partir de 1994, ele passou a ser a revista dessa entidade literária, razão pela qual se mantém em atividade há mais de cem anos.

Valdeci Cavalcante falou sobre o fomento que o sistema Fecomércio (SESC/SENAC) tem dado à atividade comercial, bem como à cultura e às mais diversas manifestações artísticas. Através de imagens projetadas, mostrou as inúmeras obras que construiu e reformou em sua gestão, destinadas a diversas atividades, entre as quais lazer, educação formal, capacitação profissional, esporte, cultura e arte.

(c) Felipe Mendes

No sábado cedo, fomos até a capela de N. S. de Monte Serrate, situada a cerca de dois quarteirões. Foi construída por Pedro Barbosa Leal, em 1711, segundo a historiadora Aldenora Mendes Moreira. No local, o professor, escritor e maçom Israel Correia proferiu uma breve palestra, na qual defendeu a possibilidade de que esse monumento religioso tivesse sido erguido por templários. Contudo, afirmou que deixaria aos historiadores a comprovação (ou não) de sua hipótese. Também vimos o sobrado Vista Alegre, onde residiu dona Auta Castelo Branco.

Seguimos para a Praça da Graça, onde visitamos as igrejas de N. S. da Graça e de N. S. do Rosário. Ali observamos as lápides dos túmulos de Simplício Dias da Silva e de sua filha, Carolina Tomásia Dias de Seixas e Miranda, que teria sido assassinada por um “monstro execrando”. Esse crime se reveste de um caráter lendário e misterioso, imerso em hipóteses algo fantasiosas. Para alguns, ela teria sido morta por Aleixo, um escravo de 17 anos, supostamente por haver sido maltratado por ela ou em razão de uma paixão não correspondida.

(c) Felipe Mendes

Outros historiadores, porém, levantam a hipótese de que o assassino poderia ter sido seu próprio marido, o capitão José Francisco de Miranda, “em quem pairava a suspeita de ser o mandante do assassinato ou o próprio assassino do seu irmão, o tenente-coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva”, nas palavras do escritor Adrião José Neto. Entre as naves vetustas da velha matriz, ou catedral, ainda parece assomar o vulto do opulento fidalgo.

No logradouro encontram-se ainda o Monumento ao 19 de Outubro e a grande estátua de Simplício Dias da Silva, mandada erigir por Valdeci Cavalcante. Ali também está a Banca do Louro, que foi homenageado pela APL, por proposição de Zózimo Tavares, pelos relevantes serviços prestados à literatura piauiense. Nessa praça morei por vários anos, no apartamento dos Correios.

Em certa noite remota, quando presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março, no apogeu de minha juventude e ilusão, proferi um discurso por ocasião do retorno de Chagas Rodrigues à política. Entre outras figuras ilustres do MDB nacional e piauiense, encontravam-se naquele coreto da Praça da Graça — que nos serviu de palanque — Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Miguel Arraes, Almino Afonso, Celso Barros Coelho, João Mendes Nepomuceno e o próprio ex-governador Chagas Rodrigues. Várias dessas personalidades proeminentes referiram-se a trechos de minha fala. E eu, tomado por entusiasmo juvenil, me senti um verdadeiro Demóstenes ou Cícero.

A seguir, fomos visitar a Praça Santo Antônio. Chamei a atenção para as belas edificações em seu entorno, sobretudo os sobrados, palacetes e casarões solarengos. Entre eles, ainda podíamos ver o palacete em que morou o Dr. Cândido de Almeida Athayde, que foi escritor, médico e diretor da Santa Casa de Misericórdia, um dos fundadores e diretores da Faculdade de Administração, prefeito de Parnaíba e vice-governador do Piauí. Fui seu aluno no curso de Administração de Empresas.

Ainda existem as casas dos proeminentes e saudosos advogados Assis Cajubá de Brito e Carlos Teixeira, dos quais também fui aluno no Campus Ministro Reis Velloso – UFPI, que foi o embrião, por desmembramento, da Universidade Federal Delta do Parnaíba.

Já não existem os casarões em que funcionaram a Rádio Educadora e a pensão de dona Judite. Nessa hospedaria, em 1975, meu pai me levou a conhecer o seu primo Joaquim Furtado de Carvalho, professor da Caixeiral, por intermédio de quem, em 1976, foi publicado o meu primeiro texto no Almanaque da Parnaíba, o soneto Pedra do Sal. Deslumbrei-me, na época, com a beleza da Praça Santo Antônio, com seus densos, copados e enormes oitizeiros, que lhe davam uma compacta sombra verdoenga. Era ali, nos anos 1970, que as moças em flor de Parnaíba ostentavam sua jovem e esplêndida beleza.

Estivemos no jardim do Cajueiro de Humberto de Campos. Umas lápides de mármore contam, de forma sucinta, a sua história, inclusive através de pequenos trechos de suas Memórias, que li e reli em minha juventude. Outrora, algumas pessoas levavam como lembrança — ou mesmo relíquia — uma folha desse cajueiro.

No final dos anos 1970, em visita à casa do Gallas, manifestei-lhe o desejo de adquirir o livro Memórias, que já lera por empréstimo feito pelo poeta Alcenor Candeira Filho, meu amigo há quase 50 anos. Num rasgo de generosidade, que julguei ter sido por impulso, Gallas me ofertou uma coleção quase completa das obras de Humberto de Campos. Disse que era uma coleção preciosa e que, por isso, não poderia aceitar. Ele, então, de maneira decidida, me compeliu a recebê-la, ao afirmar: “Se você não quiser, irei doá-la a outra pessoa”.

Seguimos, depois, para as imediações do Centro Cívico, do Colégio das Irmãs e da Igreja de Santo Antônio. O Centro Cívico foi idealizado e construído pelo Dr. Lauro Correia, quando era prefeito de Parnaíba, e projetado pelo arquiteto Régis Couto. Tive a honra de ser aluno de Lauro, quando ele era diretor do Campus Ministro Reis Velloso e presidente da FIEPI. Ingressei na APAL em 1994, quando ele era o seu presidente.

O Colégio N. S. das Graças está instalado em um lindo e imponente prédio, sendo considerado um dos melhores educandários de Parnaíba. A Igreja de Santo Antônio faz parte de seu patrimônio. É uma linda construção, verdadeira obra de arte da arquitetura parnaibana. Nela celebrava missa o monsenhor Antônio Sampaio, que morava perto, com suas irmãs. Poeta e compositor, foi meu professor no referido curso de Administração de Empresas, além de meu antecessor na APAL e na APL. Era considerado o maior orador sacro de Parnaíba.

Os expedicionários da APL deram por encerrado o périplo turístico e cultural. Porém, quatro acadêmicos me perguntaram se eu poderia guiá-los numa rápida visita ao túmulo da poetisa Luíza Amélia. Assenti, com prazer, a essa solicitação.

Túmulo da poetisa Luíza Amélia  (c) Felipe Mendes

Por uma questão de logística, o motorista resolveu parar na parte de trás do velho Cemitério da Igualdade. Ao adentrarmos, apontei para um determinado ponto e disse aos confrades que ali se encontrava o túmulo de minha irmã Josélia, falecida aos 15 anos, no apogeu de sua beleza, graça e simpatia contagiante. Nele, meu pai mandou afixar uma placa com sua fotografia de adolescente, sob a qual se liam estes imortais versos do poeta Da Costa e Silva: “Saudade! Asa de dor do pensamento!”

Ao recordar esses versos, que servem de epitáfio a minha irmã, não posso deixar de me lembrar do belo dístico que outrora existia na entrada do Cemitério da Igualdade, de nome tão bem-posto, da autoria do célebre escritor parnaibano Berilo Neves: “Dos mortais aos que morreram”, que deve servir-nos de advertência e convite à prática da humildade.

Quase no meio do cemitério, contíguo à alameda principal que percorríamos, mostrei o túmulo de um amigo meu, de nome Alcenor França. Fiz referência ao nosso colega Alcenor Candeira Filho e a seu pai, que ali repousava.

Em seguida, avistei o túmulo da poetisa Luíza Amélia de Queiroz Brandão e para lá nos dirigimos. Conheci esse mausoléu no final da década de 1970, quando ouvi sua história quase lendária da boca do poeta Fonseca Mendes. Em tempos mais recentes, em companhia do poeta Claucio Ciarlini, vi-o em situação precária, quase a ruir ou desabar. Para resumir, direi que levei essa informação ao confrade Valdeci Cavalcante, que, sem delongas, mandou restaurá-lo.

(c) Felipe Mendes

A respeito desse túmulo, já tive ocasião de registrar:

“Na segunda metade da década de 70, talvez em 1977 ou 1978, fiz parte de uma agremiação literária fundada, nessa época, pelo poeta e jornalista Fonseca Mendes. Em nossas reuniões ele se referia a figuras proeminentes da literatura parnaibana. Numa dessas vezes, enfocou a vida e a obra da poetisa Luíza Amélia de Queiroz Brandão, dando destaque especial ao fato de que ela pedira, num de seus poemas, para ser sepultada à sombra de uma gameleira.

Enterrada no Cemitério da Igualdade, o seu pedido não pôde ser atendido. Contudo, tempos depois, de forma para mim misteriosa, uma gameleira rebentou de dentro de seu túmulo, em circunstâncias que desconheço. Tornou-se uma magnífica árvore, de verde vivo, reverberante e de copa exuberante. É uma encantadora gameleira, que dá sombra e beleza ao jazigo da poetisa.”

A poucos metros do túmulo da poetisa, encontra-se o do professor Amstein, um dos meus PoeMitos da Parnaíba, que, na verdade, é uma réplica do túmulo de Napoleão Bonaparte, nos Invalides, em Paris. Foi idealizado pelo professor Lima Couto, que nutria grande admiração por Amstein.

Sobre Amstein, já disse:

 “Através do Dr. Lauro Correia, diretor do Campus e meu professor no curso de Administração de Empresas, e que foi seu aluno na segunda metade da década de 1930, tomei conhecimento de outros fatos de sua vida, inclusive de que ele morou na Ilha Grande de Santa Isabel, na mesma casa, por sinal, em que nascera Evandro Lins e Silva, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, eu sabia que Amstein, engenheiro suíço, de porte avantajado, de vastos e bastos bigode e barba ruivos, era um tipo bonachão, um grande contador de histórias e fatos anedóticos, em que a fantasia parecia se misturar com a verdade, em que a ficção se mesclava a fatos reais. Tive certeza disso quando li o capítulo O professor Amstein, do livro Tomei um ita no Norte, de Renato Castelo Branco, com quem, em minha juventude, cheguei a me corresponder por cartas. Dessa obra memorialística extraio os seguintes trechos:

‘... Mas ele era bom e todos gostávamos dele. Não como um professor, a quem se respeita, mas como um colega maior e mais velho, barulhento, inconsequente e brincalhão. // ... Suas histórias, geralmente episódios de sua vida, eram ricas, férteis, cheias de pitoresco e de surpresas. Sentia-se que refletiam a verdade. Mas não apenas a verdade. A parte verdadeira as tornava plausíveis. Mas sentíamos que estávamos sendo mistificados, que Amstein enriquecia suas aventuras, que inventava, que acrescentava fatos, acontecimentos, detalhes imaginários. // Onde terminava a verdade e começava a fantasia?’”

Fomos ao vetusto campo-santo eu, Plínio Macedo, Felipe Mendes, Reginaldo Miranda e Fonseca Neto. O confrade Felipe Mendes, com a maestria de sempre, fez belas e esmeradas fotografias desse périplo em homenagem à poetisa Luíza Amélia. Tentou fazer uma selfie, mas terminou optando por pedir à jovem senhora Adriana Motta que fotografasse o grupo. Ela fez um belo retrato, que, na verdade, é um verdadeiro documento.

Em seguida, retornamos ao hotel, para depois seguirmos viagem de volta a Teresina. Durante o percurso, entretive uma longa e interessante palestra com os historiadores Fonseca Neto e Reginaldo Miranda. Mas essas narrativas já seriam outra e longa história. Seriam, como se diz, “outros quinhentos”. 

domingo, 28 de setembro de 2025

MÚSICA VIVA

Criação: IA Copilot

 

MÚSICA VIVA


Elmar Carvalho

 

Passarinhos cantando

saltitavam e dançavam

sobre os fios elétricos

– pássaros ou dedos sobre cordas

de violinos, violas ou violões –

eletrocutando corações.

Aladas notas vivas

fazendo acrobacias e coreografias

sobre as paralelas da pauta.

O vento que passava fazia

coro e uma música celeste

se evolava.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Várzea do Simão e a Igreja de N. S. Aparecida

 

Comitiva da APL na solenidade de entrega da imagem de São José, na residência de dona Socorro Mendes
Bico de pena criado pela IA Gemini



Várzea do Simão e a Igreja de N. S. Aparecida

 

Elmar Carvalho

 

Há cerca de dois meses, recebi a missão de elaborar o roteiro da APL Itinerante referente à cidade de Parnaíba. Esse projeto foi aprovado pela diretoria da Academia. O acadêmico Valdeci Cavalcante se prontificou a dar todo o apoio necessário, por meio da Fecomércio, da qual é operoso presidente, e adianto que assim o fez, integralmente.

 

Na mencionada reunião, o confrade e historiador Fonseca Neto sugeriu que fosse feita uma rápida visita à comunidade Várzea do Simão, localizada à margem direita do Parnaíba, a aproximadamente seis quilômetros a jusante da ponte do Jandira.

 

Nesse povoado, está sendo erguida uma pequena igreja, sob a invocação de Nossa Senhora Aparecida. Nessa ocasião, ele faria a entrega de uma imagem de São José, que havia prometido a minha esposa, Fátima. A imagem seria uma doação dele e do padre Tony Batista, também membro da APL.

 

Abro aqui um parêntese para fazer um breve relato sobre essa localidade. Fica encravada na data Várzea. Em algum ponto dela, os Balaios atravessavam o Parnaíba e seguiam, creio eu, em direção à Barra do Longá, de onde prosseguiam rumo a Frecheiras da Lama, cujo proprietário, Domingos Ferreira de Veras, lhes dava apoio. Na localidade ainda vivem pessoas conhecidas como os “Balaios”, que o historiador Vicente de Araújo Silva, o Potência, acredita serem descendentes de participantes da Balaiada.  

 

Um dos antigos moradores da gleba Várzea do Simão foi o avô de Fátima, Simão Rodrigues de Souza, oriundo de Ubatuba, distrito de Granja (CE), que lá se fixou no final do século XIX. Casou-se com Firmina Carvalho das Neves, nascida em Cadoz, localidade próxima. Tiveram cinco filhos, entre os quais João Rodrigues e Severiano Neves.

 

João Rodrigues, além de seu quinhão, adquiriu vários lotes de outros herdeiros. Tocou a vida como agropecuarista respeitado por vizinhos e parentes, sobretudo na época do extrativismo econômico. É o pai de Fátima, que doou o terreno para a construção da igreja de N. S. Aparecida.

 

Severiano das Neves é considerado o fundador, ou um dos fundadores, de São Félix do Araguaia, município de que foi prefeito. Foi um dos primeiros povoadores da região, ao arregimentar e conduzir para lá vários irmãos, parentes, amigos e conhecidos. Fecho o parêntese.

 

Como uma das pontes não permitiria a passagem de um ônibus grande, pedi à presidente Fides Angelica de Castro Veloso Mendes Ommati que o programa da viagem fosse modificado, de modo que o historiador Fonseca Neto fizesse a entrega da imagem de São José na entrada do povoado Baixa da Carnaúba, na casa de dona Socorro Mendes, prima de Fátima, situada à beira da BR.

 

No dia 19/09/2025, conforme programado, por volta do meio-dia, a comitiva da APL adentrou a casa de nossa anfitriã, que nos recebeu com muitos tiros de foguete, água de coco e cajuína caseira, produzida na localidade.

 

Houve breve e singela solenidade, na qual usaram da palavra, de forma sucinta, eu, Fonseca Neto, em seu nome e em nome do padre Tony Batista, Socorro Mendes, Fides Angélica e Valdeci Cavalcante.

 

Fiz uma síntese da história do povoado Várzea do Simão e narrei a longa e difícil luta pela construção da igreja. Expliquei que a obra vinha sendo erguida com a ajuda dos moradores da localidade e de pessoas da vizinhança, por meio de doações, bingos, rifas e leilões. Enfatizei que, para sua conclusão, só faltava o piso.

 

Em rompante de fé e generosidade, o escritor e empresário Valdeci Cavalcante, dinâmico presidente do sistema Fecomércio no Piauí, declarou que doaria o piso.

 

Assim, se Deus quiser, até o final do ano, Fátima fará a doação da pequena e mimosa igreja de N. S. Aparecida à Diocese de Parnaíba. E a imagem de São José será levada à Várzea do Simão; em bonita procissão, adentrará o templo católico para sua sagração e entronização, quando será celebrada a Santa Missa.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O Centenário Almanaque da Parnaíba

 

Componentes da mesa, da esq. para a direita: Dilma Ponte de Brito, Valdeci Cavalcante, Fides Angélica, Antônio Gallas, Suzana Silva e Elmar Carvalho
Pequena solenidade no povoado Baixa da Carnaúba, para entrega da imagem de São José, doada pelos acadêmicos padre Tony Batista e Fonseca Neto à igreja de N. S. Aparecida, situada na localidade Várzea do Simão.
Comitiva dos acadêmicos e acompanhantes no prédio da Federação do Comércio do Piauí, no Porto das Barcas. 


O Centenário Almanaque da Parnaíba (*)

 

Elmar Carvalho

 

1

 

Pedi à inteligência artificial ChatGPT que me desse a definição ou conceituação de almanaque. Ela me respondeu o seguinte:

 

“Um almanaque é uma publicação periódica, geralmente anual, de caráter informativo e recreativo, que reúne uma grande diversidade de conteúdos, como calendários, efemérides (datas e acontecimentos importantes), previsões astrológicas e meteorológicas, curiosidades, estatísticas, provérbios, receitas, poesias, contos, piadas, anedotas, além de informações úteis para a vida cotidiana.

Tradicionalmente, os almanaques tinham como função informar, orientar e entreter, sendo muito populares em épocas em que o acesso a livros e jornais era restrito. Misturam o aspecto prático (indicações de plantio, fases da lua, mapas, tabelas) com o literário e cultural (textos curtos, histórias, ilustrações, conselhos).”

Não poderia ter sido mais didática, precisa e concisa a resposta. Durante a gestão de seu fundador, Benedicto dos Santos Lima, o Bembém, e de Ranulpho Torres Raposo, o Almanaque da Parnaíba se enquadrava perfeitamente nessa definição.

A etimologia da palavra almanaque vem do árabe al-manākh, que significava “clima” ou “calendário astronômico”.

Consta que os primeiros almanaques conhecidos surgiram na Idade Média, principalmente como tabelas astronômicas e astrológicas, com previsões do movimento dos astros, fases da lua e eclipses.

Segundo ainda o GPT, já no século XIII, na Europa, circulavam almanaques manuscritos usados por médicos, agricultores e navegadores, porquanto reuniam informações práticas de grande utilidade.

 

2

 

Ao falar no Almanaque da Parnaíba, termino viajando na memória, retornando ao tempo em que fixamos residência em Parnaíba, em 1975. Nessa época, o escritório de representação comercial de Ranulpho Torres Raposo se encontrava em pleno funcionamento. Tinha (ou tivera) filiais em Fortaleza, Teresina, São Luís e Belém.

Como que vejo ressurgir o velho mestre da Escola União Caixeiral, Joaquim Furtado de Carvalho, postado diante de uma escrivaninha a fazer os registros contábeis dessa firma, que funcionava na Avenida Presidente Vargas, Centro de Parnaíba. Era primo legítimo de meu pai. Falava com fluência o inglês. Tinha certa erudição, mas, sobretudo, era um atraente conversador, um verdadeiro causeur.

Embora celibatário, era um admirador da beleza feminina, como se pode depreender destes versos seus, publicados no Almanaque da Parnaíba, edição nº 50, ano 1973, no poema Banho de Mar:

 

“Quantas lembranças de momentos tais,

Veras saudades, as chamadas roxas,

Quisera que sonhos bons fossem reais,

No desfilar de tantas belas coxas.”

 

Foi através desse velho primo – professor, contador e poeta – que consegui ver, pela primeira vez, um poema de minha autoria estampado nas páginas do Almanaque da Parnaíba, ano 1976, edição nº 53. Tratava-se do soneto Pedra do Sal.

Nas gestões de Benedicto dos Santos Lima e Ranulpho Torres Raposo, o Almanaque da Parnaíba sobrevivia, sobretudo, de propagandas de grandes firmas comerciais e industriais do Piauí, sediadas ou com filiais em Parnaíba, Teresina, Campo Maior, Floriano, Piripiri e outras cidades.

 

Nessas urbes moravam os principais colaboradores do anuário. Apenas como exemplo, cito o seguinte trecho do artigo Percurso Literário entre Campo Maior e Parnaíba, do historiador Celson Chaves, em que ele lista os colaboradores oriundos da Terra dos Carnaubais:

1. Joel Oliveira – 21 textos;

2. Elmar Carvalho – 16 textos (até 2020) [após essa data, o anuário publicou mais 9 textos de minha autoria, perfazendo um total de 25];

3. Cláudio Pacheco – 11 textos;

4. Octacílio Eulálio – 10 textos;

5. Mário Araújo – 9 textos;

6. Briolanja Oliveira – 1 texto;

7. João Chrysostomo – 1 texto;

8. Bilé Carvalho – 3 textos;

9. José Miranda Filho – 4 textos.

No final de cada ano, o almanaque era esperado com ansiedade por seus inúmeros e fiéis leitores. Teve importantes ilustradores, entre os quais J. Adonias, Bibi Freire (Benedito de Morais Freire) e Nestablo Ramos.

Nesse longo período, foram seus colaboradores, entre mais de uma centena, figuras exponenciais da literatura piauiense, como Berilo Neves, Martins Napoleão, Félix Aires, Higino Cunha, Jonas Fontenele da Silva, Nogueira Tapety, Renato Castelo Branco, Possidônio Queiroz, A. Tito Filho, H. Dobal, Fontes Ibiapina e R. Petit (Raimundo de Araújo Chagas) – este, a partir de seu número inaugural, o poeta mais emblemático do anuário. Recentemente, o escritor e advogado Filadelfo Barreto, seu neto, lhe elaborou uma primorosa obra biográfica e crítica; de leitura agradável e atraente, é quase um romance.

Aconselhado pelo prefeito de então, que também era médico, o poeta R. Petit foi orientado a deixar Parnaíba, em virtude de haver contraído lepra — ou hanseníase, como se diz atualmente. Caso contrário, seria internado compulsoriamente, o que, na época, equivaleria a uma espécie de prisão perpétua. Acredita-se que o vate, esgueirando-se pelas sombras e frestas de certa madrugada melancólica e fria de 1944, deixou a sua mui amada Parnaíba para nunca mais retornar.

 

3

 

Segundo consta no colofão do Almanaque da Parnaíba, ano 2023, edição nº 75, seus editores foram: Benedicto dos Santos Lima (fundador), que editou 18 números (1924-1941); Ranulpho Torres Raposo, 40 edições (1942-1981); e Manuel Domingos Neto, 2 edições (1982-1985).

Através da Academia Parnaibana de Letras (APAL), o Almanaque da Parnaíba voltou a ser publicado a partir de 1994, como sua revista e, portanto, com algumas modificações em sua linha editorial. O presidente Lauro Andrade Correia publicou 6 números; Iweltman Mendes, 1; Pádua Santos, 3; e José Luiz de Carvalho, 6 edições. Em consequência, a APAL editou 16 números.

Como visto, a partir de 1994, edição nº 61, o Almanaque da Parnaíba, na qualidade de revista da APAL, passou a ser editado por essa entidade literária. O número anterior datava de 1985, quando o periódico completara 62 anos de existência.

Passou a ser financiado quase exclusivamente por entidades estatais e paraestatais. Teve a ajuda inicial da Universidade Federal do Piauí e da Prefeitura Municipal de Parnaíba. A partir do nº 70, ano 2017, vem sendo editado graças ao patrocínio do Sistema Fecomércio/Piauí, sob a presidência do empresário e escritor Valdeci Cavalcante, membro da Academia Piauiense de Letras e da APAL.

Com exceção das charadas, efemérides, calendários, quadros estatísticos e propagandas comerciais, a nova linha editorial manteve, em essência, o projeto anterior. Continuou a publicar textos literários, tais como poemas, contos, crônicas, ensaios e artigos, além de matérias de caráter historiográfico ou sobre cultura e arte, inclusive ensaios fotográficos sobre a cidade.

Muitos desses trabalhos são de alta qualidade e, diria, imprescindíveis para quem queira analisar a produção literária parnaibana de 1994 até hoje. Vários colaboradores dessa época já haviam escrito em números anteriores do Almanaque. Cabe ainda salientar que, nos primeiros números editados pela APAL, ainda foram publicados dados estatísticos.

Contudo, sendo essa publicação voltada preferencialmente para a produção dos membros da APAL, esse viés, por não ter interesse literário, não foi mantido por muito tempo. Quanto às charadas, nos dias apressados e cibernéticos de hoje, já praticamente não há quem as faça, tampouco quem as leia; não vai nisso nenhuma crítica, mas simples constatação.

Entre os colaboradores desse notável periódico piauiense, ao longo dessas três últimas décadas, além dos acadêmicos, podemos citar: Paulo Nunes, Renato Castelo Branco, Benjamim Santos, José Camilo da Silveira Filho, Orfila Lima dos Santos, Vítor Athayde Couto, João Evangelista Mendes da Rocha, João Maria Madeira Basto, Marc Jacob, Jorge Carvalho, Norma Couto, Sólima Genuína dos Santos, Flamarion Mesquita, Cláudio de Albuquerque Bastos, James Kelso Clark Nunes, Antero Cardoso Filho, Magalhães da Costa etc. Tive a honra e a satisfação de publicar textos em todos os 16 números editados pela APAL (1994-2024).

A edição nº 67, de 2004, comemorativa dos 80 anos do Almanaque, trazia em sua capa imagens de edições antigas e estampou propagandas históricas e curiosas de velhas publicações.

Durante várias edições, graças ao esforço de Alcenor Candeira Filho, a revista publicou as seções Parnárias, Poesia Parnaibana – Poetas Falecidos e Poesia Parnaibana – Poetas Vivos. Publicou ainda Memória Fotográfica, sobre o patrimônio arquitetônico da velha urbe.

Na gestão de José Luiz de Carvalho, fizeram parte da organização do Almanaque os acadêmicos Antonio Gallas Pimentel, Claucio Ciarlini, Diego Mendes Sousa, José Wilton de Magalhães Porto e Maria Dilma Ponte de Brito.

Em várias edições, o anuário homenageou importantes efemérides e ilustres personalidades parnaibanas, em diferentes ramos da atividade humana, sobretudo da literatura.

A capa da edição de 2023 (nº 75), por sinal muito esmerada, com efeitos visuais modernos, utiliza em sua montagem a capa da edição inaugural do Almanaque da Parnaíba. Esse número comemora o centenário do Almanaque, ainda em plena circulação, e os 40 anos da Academia Parnaibana de Letras, sua editora há três décadas.

Todavia, alguns puristas e críticos consideram que o Almanaque da Parnaíba, enquanto efetivamente almanaque, tal como definido pelo ChatGPT, teve seu último número em 1985. Nesse caso, teria circulado apenas durante 62 anos, e dele só teriam sido publicadas 60 edições. Por isso o escritor e poeta Claucio Ciarlini, em seu pronunciamento Em defesa do Almanaque da Parnaíba, lançou esta oportuna e instigante pergunta:

“Como alguém pode ignorar todo esse rico trabalho desenvolvido ao longo de três décadas?”

A referida inteligência artificial entende que “com a internet e o acesso instantâneo à informação, o almanaque impresso perdeu espaço”. É o que também acho. Essas informações não estão mais na ponta de nossa língua, mas nas pontas de nossos dedos, bastando que se tenha um computador ou celular à disposição. Aliás, muitas vezes sequer precisamos digitar: basta usar nossa voz para fazermos consultas que outrora se encontravam nos almanaques.

Em consequência, houve necessidade de que o velho Almanaque se reinventasse como revista da Academia Parnaibana de Letras.

De minha parte, prefiro entender que o Almanaque da Parnaíba continua circulando (há mais de 100 anos) e que dele já foram publicadas 76 edições. E sei que muitas outras ainda virão.

Prefiro crer que o Almanaque da Parnaíba, ainda vivo, ainda em plena atividade, continua a prestar relevantes serviços à cultura, às artes, à memória e à literatura parnaibana.

(*) Discurso pronunciado por José Elmar de Mélo Carvalho no dia 19/09/2025, no auditório do SESC/Avenida, em Parnaíba, durante a solenidade do Projeto APL Itinerante, com participação do Sistema Fecomércio e da Academia Parnaibana de Letras.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

LUZILÂNDIA: QUATRO BATISMOS E CINCO MUDANÇAS TOPONÔMICAS

Fonte: Google

 

LUZILÂNDIA: QUATRO BATISMOS E CINCO MUDANÇAS TOPONÔMICAS    

 

Ivanildo di Deus Souto
Escritor e historiador

 

Ao longo da sua trajetória histórica Luzilândia teve quatro terminologias distintas e cinco mudanças toponômicas: a primeira decorrente de um acidente geográfico do rio Parnaíba; a segunda em função da sua emancipação política e à intensa movimentação de embarcações a vela ou a vapor em seus dois portos, advinda do projeto de navegação da hidrovia parnaibana desenvolvido pela Companhia de Navegação do Rio Parnaíba; a terceira e a quinta decorrentes de atos governamentais na Era Vargas; a quarta, da ação dos seus munícipes.

 

1ª. ESTREITO:

 

A parca, até agora, historiografia de Luzilândia trata superficialmente o termo Estreito em anuários estatísticos e folhetos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sítios da Internet e alguns opúsculos e livretos. A expressão resumitiva – e nada explicativa - sobre o termo era sempre a mesma: A atual cidade de Luzilândia, situada às margens direita do rio Parnaíba, é originária de uma fazenda de gado denominada Estreito pertencente ao português João Bernardino de Souto Vasconcelos.1

 

No processo de colonização da América Latina tanto portugueses quanto espanhóis adamizaram localidades, plantas e animais utilizando-se de uma linguagem mesclada oriunda, no caso brasileiro, do idioma português e dos dialetos nativos. Cunha (2006)2, referindo-se a esse processo e citando TODOROV afirma:2

 

Ao chegarem às costas brasileiras os navegadores pensaram que haviam atingido o paraíso terreal; uma região de eterna primavera, onde se vivia comumente por mais de cem anos em perpétua inocência. Deste paraíso assim descoberto, os portugueses eram o novo Adão. A cada lugar conferiram um nome – atividade propriamente adâmica – e a sucessão de nomes era também a crônica de uma gênese que se confundia com a mesma viagem. A cada lugar, o nome do santo do dia: Todos os Santos, São Sebastião, Monte Pascoal. Antes de se batizarem os gentios, batizou-se a terra encontrada. De certa maneira, desta forma, o Brasil foi simbolicamente criado. Assim, apenas nomeando-o, se tomou posse dele, como se fora uma viagem.

 

Assim é que os portugueses colonizadores do Piauí e da região do Parnaíba – em específico e com o mesmo modus operandi – batizaram acidentes geográficos e as localidades existentes nestas paragens com as terminologias toponomicamente mais adequadas e convenientes à sua cultura. São exemplos na área territorial do Estreito do lado direito e esquerdo da bacia parnaibana: Arrodeio (grande curva do rio), Árvores Verdes (árvores que não perdem a folhagem durante a estação do verão), Melancias (roça de melancias), Madeira Cortada (primitivo nome do município de Madeiro – monte de toras de madeira), Feitoria (armazém, aporte de escambo e comercial), Mocambinho (diminutivo de mocambo; moradia de ex-escravos negros), Porto da Formosa (atual povoado Porto Formoso – São Bernardo, Maranhão - porto onde se teria visto uma bela índia moça a banhar), lagoa de Santo Eugênio (homenagem a este santo europeu), Estreito (saliência geográfica onde as margens de um rio, no caso, são bem mais próximas), etc.

 

Em viagem a bordo do vapor Urusshuy, feita em 1867, projetada pelo Governo da Província, com o fim de registrar eventos e acidentes geográficos e verificar as condições de navegabilidade do rio Parnaíba, David Moreira Caldas relata: 3

 

(…) Tendo passado por uma coroa e boca de riacho a estibordo, chegamos a uma curva; côncava para o lado do Maranhão, aonde se vê o Porto da Formosa, e convexa para o lado do Piauí, no lugar chamado Estreito, aonde há várias casas. As primeiras das quais estão sobre morros baixos e as últimas em terreno plano. O rio, estreitando-se nessa paragem, deu por isso aquele nome às moradas da margem direita.

 

Reafirmando a informação de CALDAS sobre a terminologia Estreito como nome da povoação, Domingos Resende Teles acrescenta:4

 

O rio Parnaíba, naquela época, era tão estreito por aqui que as pessoas se comunicavam gritando umas com as outras, de um e do outro lado do rio, do Estreito e do Porto Formoso, do Piauí e do Maranhão.

 

Logo em seguida, no seu relato, CALDAS discorre sobre a extensão do município de Barras do Marathoã no seu percurso pelo rio Parnaíba até a povoação que o delimita: o Estreito. Diz, ipsis litteris:5

 

O município de Barras, estende-se desde o logar fronteiro ao Porto do Boqueirão até o logar Estreito, acima dito, distantes um do outro, seguindo as voltas do rio, - 130 km, isto é, - 107 até o Arrodeio e 23 d’alli até aqui.

 

Observe-se– e para melhor compreensão -,  que a fazenda-criatório de gado bovino e equino de João Bernardino de Souto Vasconcelos, da qual originou-se a povoação do Estreito, tinha também esta terminologia toponômica.

 

Em síntese: a primeira terminologia luzilandense refere-se a um acidente geográfico do rio Parnaíba e perdurou desde os primórdios histórico-cronológicos do município, início do século XIX (a partir de onde há os primeiros registros documentais) até o final da penúltima década deste mesmo século, em 1890 (ano da emancipação política da povoação).

 

2ª. PORTO ALEGRE:

 

A navegação a vapor pelo rio Parnaíba contribuiu substancialmente ao aumento populacional do Estreito, ao seu desenvolvimento comercial e à sua emancipação política. Iniciada em 1859, com o vapor Urussuhy, transformou as várias cidades e inúmeras povoações ribeirnhas do Piauí e do Maranhão em importantes entrepostos comerciais regionais.

 

O Estreito era um desses entrepostos. Ao conquistarem a emancipação política da povoação e por força do fluxo de embarcações ou a vela ou a vapor, grandes, médias e pequenas, nos seus dois portos (Porto da Usina – denominação consolidada um pouco mais adiante no tempo - e Porto da Coroa, separados um do outro pelo conjunto natural de pedras às margens do rio), as lideranças políticas locais resolveram plagiar a denominação da capital gaúcha rebatizando o Estreito com o nome de Porto Alegre, um topônimo pertinente e sugestivo ao contexto de então.

 

A terminologia Porto Alegre perduraria até 1943, consequência da mudança determinada pela legislação federal. E, mesmo que por um breve período (1931 a 1935) tenham sido obrigados a conviver com outra terminologia toponômica, os portoalegrenses piauienses nunca aceitaram o gentílico de joaquimtavorenses. 

 

3. JOAQUIM TÁVORA:

 

As duas últimas mudanças de terminologia toponômica decorreram diretamente de medidas governamentais durante a Era Vargas: uma de caráter estadual; a outra, de caráter federal.

 

Quando foi nomeado pelo presidente Getúlio Vargas como Interventor Federal do Estado do Piauí, em 5 de maio de 1931, Landry Sales Gonçalves tomou uma série de medidas administrativas no sentido de ajustar suas ações governamentais aos ideais revolucionários e às novas diretrizes exigidas pela conjuntura porque vivia o país.

 

Dentre essas medidas, Deu nova organização aos municípios do Estado e suprimiu alguns que foram incorporados pelos de maior renda e reduzidos a um total de vinte e sete (Decreto Nº 1.279, de 26.06.1931, que ficou conhecido como a Lei da Degola);6 dispôs sobre as denominações das ruas e logradouros públicos das localidades piauienses, Quando as prefeituras municipais farão substituir os nomes de cidadãos vivos dados às praças, ruas ou a quaisquer logradouros públicos, pelos brasileiros sacrificados pelos ideais republicanos, e, principalmente, por piauienses que se tornaram credores da veneração pública, pelos seus serviços e obras ao país ou à sua terra natal (Decreto Nº 1.289, Artigo 1°, de 21 de julho de 1931).7

 

Uma medida de Landry Sales, determinada pelo Decreto Nº 1.197, de 6 de abril de 1931, atingiria Porto Alegre, alegraria e revoltaria seus munícipes. Neste Decreto, o Interventor determinou a mudança do nome da vila para Joaquim Távora e criou a Comarca de Primeira Entrância na sua jurisdição, compreendendo dois distritos: o local e o de Boa Esperança (atual Esperantina). Eis, na íntegra e ipsis litteris, o documento:8

 

DECRETO Nº 1.197

 

“Muda a denominação da villa de Porto Alegre  para villa de Joaquim Távora e crea a comarca de 1ª entrância de Joaquim Távora”.

 

O Interventor Militar do Estado do Piauhy, usando de suas atribuições,

 

Considerando os inestimáveis serviços prestados à causa revolucionária pelo impetérrito e mallogrado companheiro de ideaes – Capitão Joaquim Távora; e,

 

Attendendo ao desenvolvimento do município de Joaquim Távora e à necessidade da boa distribuição de sua justiça;

 

DECRETA:

 

Artigo 1º. A villa de Porto Alegre passará a denominar-se, desde a data da publicação deste Decreto, villa de Joaquim Távora.

 

Artigo 2º. Fica creada a comarca de 1ª entrância “Joaquim Távora”, compreendendo dois districtos judiciários – o de sua sede com o mesmo nome e o de Boa Esperança.

 

Artigo 3º. Revogam-se as disposições em contrário.

 

O Secretário do Interior, Justiça e Segurança Pública, assim o faça executar.

 

Palácio do Governo, em Theresina, 6 de abril de 1931

 

Cap. Joaquim de Lemos Cunha

Justino Barbosa de Carvalho

 

Landry Sales Gonçalves

(Interventor Federal do Estado do Piauhy)

,

A criação da Comarca de 1ª Entrância foi motivo de comemoração, porém os portoalegrenses receberam com perplexidade e estranheza a mudança toponômica do município, afinal quem era esse tal Joaquim Távora? Por que esse novo nome para a vila?

 

Joaquim Távora foi uma das grandes lideranças do Movimento Tenentista desencandeado no Rio de Janeiro em 1922  e que sacudiu a Velha República em sua última década. Eis uma breve biografia deste líder revolucionário:9

 

Militar e engenheiro civil, Joaquim Távora frequentou a Escola Militar de Porto Alegre. Em 1922, comandava o 17º Batalhão de Caçadores, sediado em Corumbá (MT), quando liderou a rebelião nesse Estado  em solidariedade ao levante deflagrado no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), contra o governo de Artur Bernardes, dando início ao Ciclo de Levantes Tenentistas daquele período. Preso na ocasião, foi libertado no ano seguinte através de habeas-corpus concedido pelo Supremo Tribunal Militar (STM) a todos os implicados no Movimento de 1922.

 

Em fins de 1923, após desertar do Exército, aderiu a uma nova conspiração contra o Governo Federal, articulada sob o comando do general Isidoro Dias Lopes. Viajou, então pelos Estados de Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais em busca de apoio ao movimento. Na capital paulista estabeleceu contato com o major Miguel Costa, da Força Pública Estadual. Após sucessivos adiamentos, o levante foi iniciado na cidade de São Paulo em 5 de julho de 1924, data escolhida em homenagem ao Levante do Forte de Copacabana.

 

Joaquim Távora, ocupando posição de destaque na rebelião, foi o responsável pela prisão do general Abílio de Noronha, comandante da 2ª Região Militar. A capital paulista caiu sob o controle dos rebeldes por três semanas e o governador do Estado, Carlos de Campos, abandonou a cidade. Em seguida, Joaquim Távora foi ferido gravemente quando comandava um ataque ao 5º Batalhão de Polícia. Morreu dias depois, em consequência dos ferimentos, em São Paulo (SP).

 

Insatisfeitos com o ato do Interventor, lideranças locais produziram um abaixo-assinado para contestação da medida e retorno do antigo nome somente quando Landry Sales já havia deixado o cargo, fato que ocorreu em 3 de maio de 1935. Passados mais de três meses, protocolaram um documento (telegrama) reivindicatório e, na 11ª Primeira Sessão Ordinária da Assembleia Legislativa, realizada em 28 de agosto  de 1935, o Primeiro Secretário da Casa leu o telegrama enviado por essas lideranças.

 

A seguir, destaca-se a cópia da ata daquela sessão legislativa, ipsis litteris10.

 

ATA DA DÉCIMA PRIMEIRA SESSÃO ORDINÁRIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PIAUÍ

 

“Aos 28 de agosto de 1935”

 

Havendo um mínimo legal de deputados, o senhor Presidente declarou aberta a sessão. Foi lida e aprovada, sem impugnações, a acta da sessão anterior. No expediente, o senhor Primeiro Secretário leu os seguintes dois telegramas, sendo um assignado por diversos habitantes do município de Joaquim Távora pedindo à Assembleia a mudança desse nome para o antigo de Porto Alegre (…).    

 

O senhor Presidente declarou que, de acordo com o Regimento Interno, remeterá à respectiva Comissão o telegrama sobre a mudança de nome de Joaquim Távora para o antigo, Porto Alegre.

 

No dia 2 de setembro de 1935 a Comissão de Fazenda Municipal da Casa Legislativa emitiu o seguinte parecer sobre a proposição dos portoalegrenses:11

 

A Comissão de Fazenda Municipal, reunida hoje, tomando conhecimento do Ofício 380, de 30 de agosto último, que foi remetido a esta Comissão acompanhado de um telegrama, assignado por vários habitantes do município de Joaquim Távora, solicitando a mudança do nome atual para o antigo de Porto Alegre, é de parecer que o mesmo seja atendido e, para isto, envia à consideração da Casa a seguinte Resolução de Lei:

 

PROJETO Nº 18

 

A Assembleia Legislativa do Estado do Piauí RESOLVE:

 

Artigo 1º. A actual vila de Joaquim Távora passa a denominar-se Porto Alegre, seu antigo nome.

 

Artigo 2º. Revogam-se as disposições em contrário.

 

Sala das Comissões, 2 de setembro de 1935

 

aa) Nelson Coelho de Resende

      Francisco Alves Cavalcante

      José Mendes da Rocha Chaves – relator

      Raimundo Borges

 

O projeto foi distribuído em 4 de setembro e aprovado em 1ª, 2ª e 3ª discussões respectivamente nos dias 9, 10 e 15 de outubro.11

 

Em 17 de outubro, o Governador Leônidas de Castro Melo sancionou a Lei Nº 12 de 1935. 12

 

Lei Nº 12, de 17 de outubro de 1935

 

A actual villa de Joaquim Távora passa a denominar-se Porto Alegre – seu antigo nome

 

O dr. Leônidas de Castro Melo, Governador do Estado do Piauí:

 

Faz saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

Artigo 1º. A actual villa de de Joaquim Távora passa a denominar-se Porto Alegre, seu antigo nome.

 

Artigo 2º. Revogam-se as disposições em contrário.

 

Publique-se e cumpra-se como Lei do Estado.

 

O Secretário Geral do Estado

 

Teresina, 17 de outubro de 1935. 46º ano da República (L. do S.)

 

Leônidas de Castro Melo

(Governador)

 

4ª. PORTO ALEGRE, MAIS UMA VEZ. A CIDADE

 

O retorno do topônimo Porto Alegre ao município teria breve duração, oito anos, até 1943.

 

No dia 2 de março de 1938 o Governo Federal do Estado Novo, através do Decreto Nº 311, elevou todas as sedes municipais de categoria inferior a foros de cidade. Com a regulamentação desta Lei pelos Estados,  a vila de Porto Alegre, então, foi elevada à cidade pelo Decreto Estadual Nº 147, de 15 de dezembro daquele ano. A sua instalação como cidade deu-se a 1º de janeiro de 1939.13

 

Comemorando o cinquentenário de Luzilândia como cidade, em 1989, durante a realização da III Semana de Arte Luzilandense, a União Estudantil Luzilandense (UNELUZ)14 lançou uma antologia de poemas e músicas alusiva à data histórica, publicada no final desta obra.

 

5ª. LUZILÂNDIA

 

Em virtude do Decreto Federal Nº 5.901, de 21 de outubro de 1943, ainda durante a Era Vargas, que proibiu a existência de topônimos entre os municípios brasileiros e, pelo fato da capital do Rio Grande do Sul ter o mesmo nome, ser mais antiga e muito mais desenvolvida, a ela recaiu a preferência da conservação do nome: Porto Alegre.15

 

Então, mais uma vez, por força de imposição legal, os portoalegrenses mudaram de gentílico. Naquele momento histórico, um ano antes, 1942, a cidade havia se transformado em sede paroquial com a inauguração da majestosa Igreja de Santa Luzia. Qual denominação se dar, então, à cidade e ao município?

 

Rui Uchoa de Meneses afirmou que:16

 

O nome Luzilândia, aceito pela grande maioria das lideranças locais, é derivado de Santa Luzia, padroeira da cidade, e foi sugerido pela professora Raimunda Pimentel Ferreira.

 

Não havendo mais contestações, o topônimo foi encaminhado ao Palácio do Governo Estadual e homologado pelo Governador Leônidas de Castro Melo, através do Decreto-Lei Nº 754, de 30 de dezembro de 1943.17

 

ANÁLISE SOBRE AS MUDANÇAS TOPONÔMICAS DE LUZILÂNDIA

 

Resultantes do contexto histórico vigente, as mudanças toponômicas de Luzilândia traduzem três momentos distintos da Era Vargas.

 

Primeiro. Logo no seu limiar. De caráter autoritário. Vargas protelou até quando pode a elaboração de uma carta constitucional democrática e nomeou interventores federais nos Estados. Landry Sales, o Interventor do Piauí, num ato autoritário e sem consulta à população portoalegrense, decidiu homenagear o impetérrito e malogrado companheiro de ideais Joaquim Távora, dando o seu nome ao município de Porto Alegre.

 

Segunda. De caráter democrático. Com a promulgação da Constituição de 1934, o Poder Legislativo do Piauí, acatando um telegrama-abaixo-assinado dos portoalegrenses, promulgou e o Chefe do Poder Executivo sancionou a Lei que fez voltar a denominação anterior (Porto Alegre) ao município.

 

Terceira. Mais uma vez, de caráter autoritário. No Estado Novo, regime ditatorial-fascista, Vargas, por decreto, proibiu a existência de topônimos iguais entre os municípios do Brasil. Assim, em definitivo, é que o município foi batizado de Luzilândia.

 

NOTAS DE RODAPÉ:

 

1. IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. 1952. pág. 524

2. CUNHA, Manuela Carneiro da. (org). História dos Índios no Brasil. São Paulo. Companhia das Letras, 2006. pág. 9

3. CANBRITO. ARQPPI. Companhia de Navegação. Relatório da viagem feita de Theresina até a cidade de Parnaíba, pelo rio do mesmo nome, inclusive todo o seu delta – por ordem do Sr. Dr. Adelino Antonio de Luna Freire (Presidente do Piauí), pelo Oficial Arquivista da Secretaria da Presidência David Moreira Caldas. Typographia da Imprensa. Theresina. 1867. Págs. 11 a 29

4. Entrevista concedida ao autor e a Hildengard Meneses Chaves por Domingos de Resende Teles, no lugar Pitombeira, Luzilândia (PI), em julho de 1992.

5. CANBRITO. ARQPPI. Companhia de Navegação. Ibidem, pág.

6. -----. Decretos do Piauí. 1931. Decreto Nº 1.279, de 26.6.1931. pág. 300

7. -----. ibidem. Decreto Nº 1.289, de 27.7.1931. pág. 300 e 301

8. -----. ibidem. Decreto Nº 1.197, de 6.4.1931. pág. 98 e 99

9. CPDOC. http://www.cpdoc.fgv.br/nav-historia/htm/

10. CANBRITO. ARQPPI. Seção do Poder Legislativo. Ata da 11ª Sessão Ordinária do Poder Legislativo do Estado do Piauí. Registro 55

11. Idem, ibdem. Projetos de agosto a novembro de 1935. Registro 314.E.09.P.B

12. Idem, ibdem. Estatística. Diário Oficial do Piauí. Outubro a dezembro de 1935. pág. 4 e 5

13. IBGE. op.cit. pág. 525

14. A União Estudantil Luzilandense será objeto de tratativas no Capítulo X desta obra.

15. IBGE. op.cit. Pág. 525

16. Entrevista concedida ao autor por Rui Uchoa de Meneses, Luzilândia (PI), em outubro de 1997